Projeto Esperançar | Cartas para Maria Marta

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Querida Maria Marta,

Espero que esta carta a encontre bem. Meu nome é Patrícia e gostaria de compartilhar com a senhora histórias da Maria Marta Criança, da Maria Marta Mocinha, da Maria Marta Mulher e da Senhora Maria Martha. Quero falar sobre o passado e o presente. Aos poucos, vamos fazer uma viagem ao Vale das Lembranças e tirar das gavetas da memória acontecimentos arquivados no tempo.

Primeiro, quero que a senhora reviva a infância. A Maria Marta Criança nasceu em Guanhães, uma pequena cidade localizada no interior de Minas Gerais. Seus primeiros habitantes foram os indígenas guanaãns, o nome do município faz uma referência a essa etnia que povoou, principalmente, às margens do rio.

Maria Marta morava na zona rural. Alegre e criativa, fazia suas próprias bonecas. Com grande habilidade, confeccionava-as com a palha do milho e as folhas do mulungu. Enquanto as meninas brincavam com as bonequinhas, os meninos corriam pelo campo como cavalinhos. Era com simplicidade que eles brincavam e se divertiam.

A Maria Marta Criança era bem levadinha e gostava de fazer arte. Suas travessuras deixavam seus pais adotivos muito nervosos. Eram raros os diálogos entre eles e os filhos eram educados com muitas palmadas, puxões de orelha, varadas e até chicotadas – as marcas de uma educação violenta e repressiva ficavam em sua pele. Do chicote, ela herdou as feridas que demoravam a cicatrizar. Cada marca representava uma travessura.

Certo dia, ela encontrou na cozinha uma caixa com as balas do revólver que seu pai exibia com orgulho. Sem pensar, pegou-a e arremessou uma a uma em várias direções. Uma bala foi certeira até uma vasilha cheia de garapa que se quebrou em infinitos pedaços. A garapa se espalhou por toda a cozinha. Graças a Deus, o pai de Maria Marta não estava em casa e ela se livrou de uma surra.

Mas a vida na roça, não era só brincadeiras e travessuras, as crianças tinham que trabalhar muito também. Juntos eles plantavam arroz, milho, amendoim, ingá, banana, entre outras frutas, verduras e legumes. Tudo era preparado com muito carinho.

O café colhido no pé era moído e degustado bem quentinho e as frutas eram transformadas em deliciosos doces. Maria Marta gostava de tudo e se deliciava com o mamão em caldas, a rapadura na forma de madeira, o melado na colher. Tudo, que era plantado, era para ser consumido, nada era vendido.

Naquela época, na casa dela não tinha copos, nem pratos. Para as refeições, eles utilizavam o coité. O coité é uma árvore e seus frutos têm uma casca bem dura. Eles colhiam os frutos, cortavam-no ao meio, raspavam a parte interna e deixavam secando. Depois essa casca virava uma vasilha a qual era usada durante o almoço e o jantar.

Quando era criança, os animais, que também moravam na roça, eram seus melhores amigos. Lá tinha galinhas, patos, gansos, porcos, cavalos e perus. Não podemos nos esquecer dos quatro bois: o Marechal, o Castelo, o Maranhão e o Piloto. Eles eram os responsáveis pelo transporte, guiavam o “carro de boi” e levavam tudo e todos para todos os lugares. Eram tão eficientes que tinham cuidados especiais.

A rotina no campo não mudava. Os dias passavam devagar e todos eram contagiados pela calmaria do lugar. Mas chegou a hora de Maria Marta se despedir daquele local e começar uma nova fase de sua vida.

Primeiro capítulo do livro “Cartas para Maria Marta”, produzido para o projeto Esperançar (Tio Flávio Cultural).

Autor(a)
Patrícia Alves

Nasceu em São João del-Rei, onde se formou em Letras pela Universidade Federal de São João del-Rei. É pós-graduada em Teoria da Literatura e Produção Textual e está cursando Jornalismo, pela Faculdade Estácio. É professora de Língua Portuguesa (extremamente apaixonada por literatura) e coordena projetos e ações pedagógicas na Secretaria Municipal de Educação de Santa Luzia. Há três anos, é voluntária do Tio Flávio Cultural e já participou dos projetos Liberta Minas, Esperançar e Diários da Solidariedade.

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